COMPORTAMENTO SEXUAL NAS CANTIGAS GALEGO-PORTUGUESAS

As cantigas galego-portuguesas são obras literárias que representaram a necessidade de uma manifestação artística na idade média compreendida nas regiões atuais de Portugal e Gálica (noroeste da Espanha) durante os séculos XII e XIV.  É inegável a influência dos Troubadours (artistas do sul da França, região histórica chamada Occitânia, que entoavam canções com ajuda de instrumentos musicais) na lírica galego-portuguesa como atesta Azevedo Filho: “Não trouxe Provença, portanto, a sua língua para a lírica galego-portuguesa, como ocorreria em relação à Itália, mas apenas a influência formal de suas cantigas de amor”¹.  

A poesia trovadoresca, tratando-se do tema deste texto, possui uma visível amostra da descrição do comportamento sexual nas cantigas de maldizer, ou seja, cantigas satíricas cujo objetivo era “dizer mal” de alguém: “Nelas se encontra um documentário informativo sobre aspectos íntimos da vida da corte, além de notícias sobre trovadores e jograis, em cima de bastidores”². As cantigas em questão traziam consigo um intuito não somente de riso, mas, também, de expressão obscena quanto ao corpo humano.  Para demonstrar este aspecto nas obras dos trovadores galego-portugueses, eis um exemplo cuja autoria é dada ao rei Alfonso X: 


Figura 1 - Fonte: http://cantigas.fcsh.unl.pt/cantiga.asp?cdcant=488&pv=sim&p=5 

Com o auxílio da obra do filólogo português Manuel Rodrigues Lapa (Cantigas d’escárnio e de maldizer. Coimbra: Galáxia, 1965), é possível perceber já nos dois primeiros versos da estrofe inicial, por mais que incompleta, elementos que denotam o lado erótico. Esta cantiga, apesar de bem deteriorada, nos mostra como uma soldadeira (mulher a soldo, prostituta, cantora ou bailarina) se sente culpada perante à Deus dos desejos sexuais provocados pelo trovador quando este acaricia sua vagina. A questão da culpa religiosa pelo simples fato de sentir desejos libidinosos é fruto da realidade da época, tendo como instituição dominante a Igreja.  

A primeira estrofe da cantiga retrata então o momento mais erótico, sensual da composição. A mulher sente o apalpamento em seu sexo pelo poeta e, em seguida, expõe esta atitude como um atrevimento em relação ao Senhor em um momento de penitência. Em seguida, já para a segunda estrofe, Lapa sugere “Quando começastes a fazer, em altos brados, o vosso queixume, compreendi bem que o vosso clamor era música do inferno, cujos pontos, como punhais, se cravaram em meu coração”. Está claro neste instante da cantiga o sentimento de medo e culpa diante de Deus em relação a cena precedente de cunho sexual.  


Na terceira estrofe, assim, o trovador se arrepende do ato cometido e quer fugir daquela situação de culpa (sempre em relação ao respeito dado à Deus). O poeta ainda ressalta o sofrimento causado por não conseguir sentir o prazer sexual, o que é consequência do amor dirigido ao Senhor, um amor puro e não carnal, erótico. 

Durante a penúltima estrofe, o rei Alfonso se dirige à Deus, pedindo perdão pelo acontecido e compara o seu sofrimento de resistir a plenitude do desejo sexual com o horror com o qual passara Jesus durante a paixão. O término da cantiga é a demonstração de lealdade do trovador à Deus por simplesmente não ter se entregado por completo à tentação da carne.  

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